Desde a chegada do atacante Vinicius Junior ao futebol espanhol até os dias atuais, são mais de dez registros de violência racial direcionada ao brasileiro. A mais recente delas, em jogo contra o Valencia, pelo Campeonato Espanhol, motivou repercussões fortes por parte do próprio Vini Júnior, que inclusive acusou a complacência de La Liga para lidar com o caso.
Nós da Espanha Fácil estamos consternados com o episódio ocorrido. Nosso time jurídico entrará com uma denúncia junto a Fiscalia da Espanha pelo delito de ódio. Não toleramos esse tipo de comportamento. Levamos mais de 15 anos em território espanhol, representamos brasileiros na Espanha e jamais compactuaremos com cenas de racismo ou xenofobia.
Entenda o caso
O primeiro episódio ocorreu na partida entre Barcelona e Real Madrid em 2021, no Camp Nou. Torcedores culés entoaram cânticos racistas quando Vini Júnior deixava o gramado, substituído. Houve denúncia ao departamento de análise de crimes de ódio do Ministério Público de Barcelona. Não foi o bastante.
Em 2022, no jogo entre Mallorca e Real Madrid, torcedores do Mallorca imitaram sons de macaco direcionados a Vini Júnior. Além disso, cantaram para o jogador do Real Madrid catar bananas. Ainda em 2022, antes de um clássico entre Atlético de Madrid e Real Madrid, os insultos racistas tiveram como palco o show “El Chiringuito”, um dos programas de TV mais famosos da Espanha. Na ocasião, o jornalista Pedro Bravo criticou as danças usadas por Vini Júnior para comemorar seus gols e afirmou: “pare de fazer macaquices”. Pouco antes da partida, torcedores do Atlético de Madrid, reunidos no entorno do estádio Metropolitano, entoaram cânticos chamando o atacante de “macaco”. Toda a situação inspirou o movimento “baila Vini”, encorajando o jovem craque a comemorar da forma que mais gosta.
Na partida entre Real Valladolid e Real Madrid, ainda em 2022, ouvia-se “negro bastardo”, “negro de m….”, insultos proferidos por torcedores do Valladolid nos últimos dias de 2022. O clube, administrado por Ronaldo Fenômeno, identificou 11 torcedores e tirou os seus ingressos de temporada. Já em 2023, na partida entre Atlético de Madrid e Real Madrid, torcedores do Atlético de Madrid voltaram a protagonizar episódios lamentáveis de preconceito. Desta vez, um boneco de Vini Júnior foi pendurado de uma ponte sendo enforcado. La Liga agiu através de uma queixa no Tribunal de Instrução de Madri e o processo segue em andamento. Quase quatro meses depois, a polícia da Espanha divulgou um vídeo mostrando a prisão de jovens de 19, 21, 23 e 24 anos, todos suspeitos de terem protagonizado a cena do boneco de Vini pendurado. Um dos presos, inclusive, teria passagem por lesão corporal, segundo as autoridades.
Em 2023, na partida entre Mallorca e Real Madrid, ocorreu o segundo caso envolvendo o Mallorca. Desta vez, o torcedor que chamou Vinícius Júnior de “macaco” foi identificado através de um vídeo no TikTok e, além de multa no valor de 4 mil euros, foi impedido de frequentar estádios pelo prazo de um ano. Logo veio o caso durante o jogo entre Osasuna e Real Madrid, mais um episódio de torcedores chamando o brasileiro de “macaco”. Câmeras de televisão flagraram os xingamentos, mas os autores dos insultos criminosos não foram identificados. Em seguida, outro jogo, agora entre Real Bétis e Real Madrid, em que torcedores adversários sentem-se à vontade para chamar Vinícius Júnior de “macaco”. O episódio gerou queixa prestada ao Juizado de Instruções da região de Sevilha. La Liga também apresentou denúncia ao tribunal investigativo da cidade andaluz.
Na partida entre Barcelona e Real Madrid, em 2023, torcedores do Barça voltaram a chamar Vini Júnior de “macaco” e também entoaram cânticos dizendo “morra!”. Os tribunais de instrução de Barcelona e da La Liga foram acionados e trataram o episódio dizendo que o comportamento racista é “intolerável”. Mais tarde, na partida entre Girona e Real Madrid, após marcar um dos gols do Real Madrid em uma vitória por 4 a 2, torcedores do Girona chamaram Vini de “macaco”. O caso passou batido, sem nenhum tipo de manifestações das entidades envolvidas com o jogo.
Até que chegamos à partida do último domingo, entre Valencia e Real Madrid. Torcedores do Valencia entoaram cantos chamando Vinícius Júnior de “macaco” no estádio Mestalla. A partida chegou a ser interrompida, mas quando a bola voltou a rolar Vini Júnior acabou sendo expulso e deixou o campo revoltado em meio aos criminosos insultos direcionados a sua pessoa. O Valencia afirmou que vai identificar os torcedores e os banir para sempre do clube.
Mas o que diz a lei Espanhola?
O Real Madrid fez uma queixa ao Ministério Público espanhol por “delitos de ódio” após Vinicius Junior ter sido vítima de insultos racistas, durante a partida contra o Valencia. Na Espanha, o conjunto de normas se coloca em defesa da igualdade e reforça que “compete aos poderes públicos promover as condições para que sejam reais e efetivas a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos em que se integram”. Os trechos em questão podem ser encontrados nos artigos 1.1, 9.2, 10, 13.1 e 14. As normas são interpretadas de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Há também outras leis, como o Estatuto da vítima de crime. O artigo 23 da Lei 4/2015 fala, por exemplo, da determinação de medidas de proteção em casos de crimes cometidos por motivos raciais. A necessidade de proteção é avaliada de acordo com a natureza do crime e a gravidade dos danos causados à vítima.
Contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância no esporte, a Lei 19/2007 existe com o objetivo de erradicar o racismo, além de determinar o regime de sanções de acordo com cada situação. Além do menosprezo de uma pessoa ou grupo de pessoas em relação à origem racial ou étnica, a passividade na repressão de comportamentos intolerantes e a omissão de medidas de segurança também são consideradas infrações graves. No caso de infrações consideradas muito graves, a multa pode variar entre 60.000 e 650.000 euros.
E o artigo 510, coloca que “serão punidos com pena de prisão de um a quatro anos e multa de seis a doze meses aqueles que publicamente encorajam, promovem ou incitam direta ou indiretamente ao ódio, hostilidade, discriminação ou violência contra um grupo, parte dele ou contra uma pessoa determinada em razão de sua pertença a ele, por motivos racistas, anti-semitas, anti- Cigano ou outros motivos, referindo-se a ideologia, religião ou crenças, situação familiar, pertença dos seus membros a um grupo étnico, raça ou nação, à sua origem nacional, ao seu sexo, orientação ou identidade sexual, por motivos de género, aporofobia, doença ou deficiência.”
O artigo 22 do Código Penal diz que são circunstâncias agravantes: cometer o crime por motivos racistas, anti-semitas, anti-ciganos ou outro tipo de discriminação quanto à ideologia, religião ou crenças da vítima, etnia, raça ou nação a que pertença, sexo, idade, orientação ou orientação sexual identidade ou sexo, motivos de gênero, aporofobia ou exclusão social, a doença que sofra ou a sua deficiência, independentemente de tais condições ou circunstâncias efetivamente ocorrerem na pessoa sobre a qual recai a conduta.
Além disso, também podem ser impostas aos organizadores de competições a inabilitação para a organização de eventos esportivos por até dois anos e o fechamento temporário do local onde aconteceu o crime. Em caso de pessoas físicas, o acesso a qualquer recinto esportivo pode ser proibido por até cinco anos, também em caso de infrações muito graves. O Valencia confirmou que baniu um de seus torcedores para sempre e que ainda está focado em identificar outros que teriam insultado Vinícius no estádio Mestalla. E outros 4 torcedores também já foram identificados e presos até o momento da publicação desta nota.
“Temos um problema de comportamento, educação, racismo”, disse o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, na segunda-feira. “Enquanto houver um único indesejável ou um grupo de indesejáveis que insulta por condição sexual, cor de pele ou credo, temos um problema sério. Temos um problema que mancha um clube, um hobby, um país inteiro.”
Apesar de o Oberaxe (Observatório Espanhol de Racismo e Xenofobia), do Ministério da Inclusão, Previdência Social e Migração da Espanha, ter avançado na geração de dados estatísticos sobre racismo e xenofobia no país, as leis não sofreram muitas modificações nos últimos anos. Porém, na Espanha é punível encorajar, promover, direta ou indiretamente, ódio, hostilidade, discriminação ou violência contra uma pessoa por motivos racistas. A Espanha também assinou a Convenção Européia de Direitos Humanos, na qual o Tribunal de Estrasburgo também condena crimes de ódio, como sendo incompatíveis com uma sociedade democrática. Como membro do Conselho da Europa, a Espanha está sujeita à revisão por órgãos como a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância.
Há punições para casos de racismo?
Pena de prisão de um a quatro anos e multa de seis a doze meses: no capítulo que aborda os crimes relacionados com o exercício dos direitos fundamentais e das liberdades públicas garantidos pela Constituição, o artigo 510.1 informa que serão punidos com pena de prisão de um a quatro anos e multa de seis a doze meses “aqueles que publicamente encorajam, promovem ou incitam direta ou indiretamente ao ódio, hostilidade, discriminação ou violência contra um grupo, parte dele ou contra uma pessoa determinada em razão de sua pertença a ele, por motivos racistas, anti-semitas, anti-cigano ou outros motivos.”
Pena de prisão de seis meses a dois anos e multa de seis a doze meses: já o artigo 510.2 garante que serão punidos com pena de prisão de seis meses a dois anos e multa de seis a doze meses “os que atentem contra a dignidade das pessoas com atos que impliquem humilhação, desprezo ou descrédito de algum dos grupos referidos no número anterior, ou de parte deles, ou de qualquer pessoa determinada em razão da sua pertença a eles por motivos racistas, anti-semitas, anti-ciganos ou outros relacionados com ideologia, religião ou crenças, situação familiar, pertença dos seus membros a um grupo étnico, raça ou nação, origem nacional, sexo, orientação ou identidade sexual, por razões de gênero, aporofobia, doença ou deficiência.”
Há um acordo com o Brasil?
Sim, no início de maio, o Brasil e a Espanha assinaram um acordo visando o combate ao racismo e à xenofobia. Conduzido pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e pela ministra da Igualdade da Espanha, Irene Montero, o projeto prevê “o reconhecimento da subnotificação de atos de discriminação racial e crimes de ódio e o favorecimento à denúncia por parte das vítimas, com assistência jurídica gratuita”, segundo comunicado da Secretaria de Comunicação Social.Casos de racismo no futebol motivaram articulação internacional. No acordo, está previsto que ambos os países “dediquem atenção especial à luta contra o racismo nas atividades esportivas”. Além disso, Brasil e Espanha ainda devem viabilizar estudos que ponderem o impacto do racismo em suas sociedades.
2 respostas
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